Darwin correndo em uma esteira por não ser um ganhador da loteria

Eu não ganhei na Mega-Sena da virada

Infelizmente, não foi dessa vez que pude tirar a sorte grande na loteria da virada. Seriam R$320 milhões, o maior prêmio pago na história. Somente uma única coisa explica minhas chances terem sido zeradas este ano: eu não joguei. Não participei de bolões e nem marquei meus próprios canhotos em uma lotérica. Cá estou, com os cinquenta reais do bolão no bolso, e nem um milhãozinho a mais na conta. Se eu tivesse jogado, a probabilidade me leva a crer de que eu estaria triste por não ter ganho e sem os mesmos cinquenta contos. Mas quanto tempo duraria essa tristeza? E quanto tempo duraria minha felicidade se tivesse ganho na loteria?

Um estudo [1] feito com um grupo de 22 ganhadores da loteria acompanhou o índice de felicidade dos sortudos ao longo dos meses, e os resultados mostraram que os ganhadores apresentaram, em média, índices de felicidade iguais ou inferiores aos que tinham antes de ganharem na loteria. 

A explicação dessa diminuição de felicidade foi a dificuldade em gerenciar grandes quantias, ou por terem gasto/perdido dinheiro rapidamente, ou mesmo pelo isolamento social que muito dinheiro causa. Alguns vencedores experimentaram um dilúvio de pedidos indesejáveis, então acabaram se fechando para pessoas próximas, na tentativa de evitar mais pedidos. O prêmio os deixou mais ricos, mas não mais felizes.

“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”

– Tio Ben em O Homem Aranha

Mas a máxima de que dinheiro não traz felicidade não está totalmente correta. Em um outro estudo, um grupo de pessoas recebeu uma determinada quantia. A metade deles foi instruída a gastar o dinheiro consigo, enquanto os outros deveriam gastar o dinheiro presenteando pessoas próximas. O segundo grupo mostrou-se mais feliz do que o primeiro. Os que se auto presentearam disseram que, no início, ficaram felizes com o presente, mas depois voltaram ao estado normal de felicidade, passando a desejar coisas novas. Segundo Santo Agostinho, o desejo não tem descanso.

Há um padrão do ser humano em sempre querer mais. Se somos promovidos no trabalho, por exemplo, tendemos a ficar instantaneamente felizes com o aumento de salário, mas, com o passar do tempo, a felicidade parece se diluir e voltamos ao nosso status quo de humor. Isso é explicado por uma teoria [2] chamada “adaptação hedônica” ou “esteira hedônica”(em tradução livre à hedonic treadmill), que diz que os seres humanos – em geral –mantêm um nível constante de felicidade ao longo da vida, apesar dos acontecimentos do cotidiano. A lógica também vale para acontecimentos negativos, apesar de que nestes o impacto parece ser mais perceptível, já que requerem mais atenção e geralmente são melhores lembradas.

É como se a felicidade se comportasse como uma linha-base, um intervalo, onde os eventos do dia a dia levam nossos indicadores de felicidade um pouco para cima (em casos de alegria e seus derivados) ou um pouco para baixo (para tristezas e similares). Em algum momento, nossa felicidade voltará para o mesmo intervalo, não tendo esses eventos grandes impactos na felicidade geral de nossa vida. Para esta teoria, a felicidade é praticamente estável ao longo da vida, mas a satisfação e o bem estar subjetivo são mais variáveis.

Darwin estava certo

Teorias mais modernas provam que o ponto estável de bem-estar subjetivo de alguém pode mudar drasticamente, dependendo da capacidade individual de se adaptar. É o que entendemos como superação, seja de um divórcio, pela perda de alguém, o nascimento de um filho, uma situação de desemprego, etc.

Porém, quando submetidos a algo que cause uma tristeza constante, a linha média de felicidade pode cair. É o que mostra uma pesquisa feita com presidiários [3], que mostrou que os indicadores de felicidade caíram durante todo o período de reclusão, tendo a média subido novamente quando libertos.

É aqui que eu queria chegar.

Vinte-vinte

Ano de 2020. Talvez este tenha sido o ano mais autoexplicativo de toda a história. A sequência de “dois vintes” despertam na gente um sentimento individual, dos quais estamos até meio saturados de ouvir falar. Vou deixar a descrição deste ano com vocês. Cada um lidou com o ano de um jeito, com suas perdas, medos e, claro, adaptações.

Além do cenário de pandemia, de instabilidade política global, de ruído mental com as redes sociais polarizando cada vez mais, a incerteza das informações e do futuro, eu lidei com minhas próprias ondas, como a de expectativas de chegada do meu filho (e as ondas que foram geradas a partir do seu nascimento), o trabalho, a família, os amigos, e tantas outras coisas. Minha capacidade de adaptação foi exaustivamente testada, e não sei bem se Darwin estaria orgulhoso de mim. No entanto, sobrevivi e, segundo ele, “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.

Ainda sobre a analogia das ondas, penso que ano passado tomei uns caldos e, cada vez que eu era forçado a mergulhar, lembrava com ainda mais saudade a sensação de surfar. A ansiedade de querer voltar ao que se era pode tornar este processo de recuperação ainda mais difícil.

Os psicólogos utilizam a teoria da adaptação hedônica para identificar quando um paciente está mentalmente distante de seu ponto estável de felicidade, bem como as causas que originaram esse afastamento. Mais importante ainda, saber que a vida tem esses ciclos e que eventos cotidianos pouco tem a ver com sua média de felicidade alivia um pouco a ansiedade de quem anda se sentindo mal, uma vez que a felicidade de longo prazo é relativamente estável ao longo da vida.

Portanto, se você (assim como eu) sente que está em uma versão estendida do ano passado, um 2020 versão “S”, saiba que você voltará ao seu nível de felicidade em breve. Enquanto isso, busque atividades altruístas, medite, recupere um hobby ou comece um novo, tire um tempo para você, mesmo que seja de alguns minutos, apenas. Eu, por exemplo, resolvi escrever este artigo, aproveitando cada parágrafo, cada pesquisa, cada revisão. Afinal, de acordo com o Ed Diener e a teoria de adaptação hedônica, “a felicidade é um processo, não um ponto de chegada”. Talvez, neste período, seja melhor ir do que chegar. Boa sorte em sua jornada.

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[1] Brickman, Philip; Coats, Dan; Janof-Buiman, Ronnie. Journal of Personality and Social Psychology. Agosto, 1978

[2] Brickman e Campbell – Hedonic Relativism and Planning the Good Society (1971)

[3] Christopher Wildman, Kristin Turney e JasonSchnittker, The Hedonic Consequences of Punishment Revusited. 103 J. Crim. L. & Criminology 113 ().