Se eu tropeçar eu me atraso

A errônea cultura de se manter ocupado por quem quer ter tempo livre

_ Nesta semana se eu tropeçar eu me atraso. Falei, preenchendo cada palavra com bastante intensidade, mesmo que esta frase já tenha morada na ponta da minha língua e não tenha mais tanta graça assim.

_ Eita. Pontuou meu psicólogo.

Segui com a explicação de que minha agenda estava tão cheia naquela semana que os compromissos vinham engarrafados em meu Google Calendário, sem espaço livre entre as atividades. Acaba uma, começa outra, como num processo industrial de produção de… de que, mesmo?

Nós, brasileiros, sabemos que o “eita” pode significar muita coisa, mas interpreto o falado pelo psicólogo como um alerta, uma luz amarela que acende em um painel dizendo que talvez devemos ter tempo para pequenos tropeços em nossos dias.

É que eu venho em uma sequência de semanas de puro rush, um sprint onde eu decido “atacar” todas as pendências laborais que orbitam minha cabeça, num intuito quase kamikaze de finalizá-las e, finalmente, ter o tempo livre que eu quero ter, longe dessas caixas de to-do lists em branco.

Essa é uma queixa frequente. Eu me lembro de em fevereiro falar algo como “não vejo a hora de terminar esse TCC do MBA para, finalmente, ter tempo livre. Sentar no sofá e não ter a obrigação de fazer nada”. Terminei o TCC e nada. Veio a pandemia e nada. O home-office e nada. Veio o Leonardo, meu filho e, agora mesmo é que nada.

As demandas não vão encerrar porque me parece que sou um rato de laboratório, correndo em sua roda. Quanto mais acelera, mais a roda gira e mais tem que correr. A questão talvez não seja o rato ou a roda, mas o pace adotado.

Diversos autores, de livros, vídeos e podcasts, já falam sobre a diferença entre se manter ocupado e ser produtivo. Afinal, muitos de nós respondemos colegas de trabalho, familiares e amigos como “ando tão ocupado ultimamente, trabalhando muito!” como uma justificativa para não ter tempo ou ânimo para outras coisas, um álibi para um aspecto de quem tá muito bem ou para falta de um bom-humor no levar da vida.

Outros autores defendem a importância de se prever tempo livre na sua gestão de tempo, sejam alguns minutos para alongamentos, meditações, caminhadas, leituras, cafés, etc. Inclusive, existem vários famosos que bloqueiam horas específicas da sua agenda para coisas do tipo, protegendo parte do seu dia, um dia inteiro, como Bill Gates, tirando uma semana longe da tecnologia (!) e se recolhendo à livros e a reflexões em uma cabana à beira do lago.

Bill Gates tem tempo de tropeçar e eu não tenho tido. Não que ele não deveria ter, eu falo por mim mesmo. Todos nós devemos ter tempo para um tropeço sem que isso atrase um ou outro compromisso. Afinal, tropeçar (vb.), quando transitivo indireto, pode significar “dar de encontro” a um obstáculo imprevisto, e essa é uma das características que nos mantém humanos: a capacidade de lidar com problemas variados e inesperados, para o azar das pedras dos caminhos.