Carta para uma cadeira vazia

Esta é uma carta para você sobre mim.

Se tivéssemos passado mais tempo juntos, rapidamente você saberia que o seu pai é um admirador da literatura. Às vezes, é nas palavras que eu encontro conforto. Drummond uma vez disse que a dor é inevitável, mas que o sofrimento é opcional. Tenho feito disso uma espécie de mantra enquanto me equilibro nessa linha tênue.


O fato de seu pai ser um engenheiro o faz querer encontrar uma solução para tudo. Há equações que explicam o comportamento de uma partícula em meio a um turbilhão de um líquido. Há equações que explicam o valor de um imóvel no mercado imobiliário. Porém, minha filha, não existe uma equação que explique o que nos aconteceu. Assim, no sentido da missão. Sequer sua doença nos fora bem explicado. Só sabemos bem as consequências dela. E nesse rio da vida, às vezes eu penso que sou a partícula da qual a equação tenta explicar o movimento: irrelevante para o contexto de um rio mas, ainda sim, fazendo parte dele.


Às vezes sinto que meus pensamentos possam, de alguma forma, influenciar o que acontecerá depois. Chamam isso de fé em alguns contextos. Chamam de superstição. Eu nem sei se somos, de fato, detentores desta habilidade. Mas, confesso que às vezes isso me faz me sentir culpado. Eu demorei para aceitar que você era real. Eu me assustei quando ouvi seus batimentos, que martelavam os “e agora?!” que ritmavam meus pensamentos. Eu desejei algumas vezes que isso tudo fosse um engano. Olhando assim, filha, parece de um egoísmo só. Mas se você olhar o contexto, tudo o que seu pai vinha passando – e que havia se deixado passar, talvez você entendesse melhor o porquê de eu pensar assim. Naquela época, eu achava que sua vida me faria sentir menos vivo. Eu achava que eu, partícula, decantaria. Em muitos momentos seu pai pensou que as coisas não dariam certo, mas, como uma engrenagem, tudo foi se encaixando. Às vezes as coisas levam tempo mesmo. E, às vezes, não duram nada.

Filha, se você pudesse conhecer um pouco mais do seu pai saberia que ele gosta de encontrar um sentido para tudo – talvez até por um pouco de influência da literatura. Se não houver sentido eu crio, eu infiro, eu suponho. Mas não é vida rala, escassa, que não tenha sentido para mim. Assim, o sentido que eu encontrei para tudo isso foi de que você veio como aliança. Trouxe sua mãe para perto de mim, para perto da família. Trouxe para perto alguns amigos distantes, felizes com as boas notícias e solidários a nossa dor. E, por isso, resolvemos colocar em nossa aliança a sua inicial, em uma equação de soma, de algo positivo. Na parte interna da minha aliança, a equação “M + D + H” me explica o que não pode ser explicado por ora, até porque eu não sei o que ela determina. Uma incógnita, um vazio. Há em mim o vazio que eu temia ter com a sua chegada. Errei feio. Ele veio com sua despedida. Eu achava que sua vida me faria sentir menos vivo. Ao contrário, eu sinto que morri um pouco com você.