Cartão Amarelo

Hoje é o terceiro dia do mês chamado de “setembro amarelo”, o mês de combate ao suicídio. A cor é um alerta: neste ano, cerca de 800 mil pessoas vão cometer suicídio. Isso dá algo em torno de um suicídio a cada quarenta segundos. No Brasil são 25 mortes por dia e, para cada um desses, outros 20 tentaram, sem sucesso. 

Além disso, crescem os índices de diversas doenças psicológicas, como depressão, ansiedade, síndrome de burnout, entre outras. Nosso modus operantis vai mal, a gente sabe, e sinto que as ações de combate às causas são menores do que o ritmo de procura à elas.

Há duas semanas participei de um evento público realizado por uma equipe técnica do município na qual eu sou integrante. A fala do nosso gestor era de agradecimento ao comprometimento. Para exemplicar, ele ressaltou as inúmeras horas extras que fizemos ao longo dos quinze meses de trabalho (na Prefeitura não se paga adicional por hora extra), os desvios de função que precisávamos fazer para cumprir com o objetivo maior, e de sempre estarmos dispostos a nos sacrificar em prol do município.

O que para quase todo mundo era uma fala de empenho, para mim era vista de outra forma: estamos sobrecarregados. Ora, uma equipe composta por pessoas tão ativas, tendo que fazer turnos extras, trabalhar aos finais de semana, claramente demonstra que há mais trabalho do que técnico, que há mais necessidade do que boa vontade e comprometimento. A coordenadora da equipe apontou muito corretamente que comprometimento não pode ser visto como algo “extra”.

Comprometimento, para mim, é obrigação de qualquer um que se propõe a fazer algo em troca de dinheiro, ideais ou seja lá o que for. Nos dias de hoje não há espaço para corpo mole. Mas acredito em empenho dentro do limite de horas. Os empenhados não são só aqueles que fazem hora extra. Aliás, tendo a acreditar que as chances de eu ser empenhado no limite de horas de trabalho seja maior.

Esse trabalho em questão se desdobrou de tal forma que eu e alguns outros nos sentíamos desconfortáveis de cumprir o turno normal de trabalho, sabendo que há outras pessoas se dedicando – e sacrificando seu tempo livre – em horas extras ao serviço, enquanto nós não estávamos.

Vejo por aí tatuagens e hashtags de “work hard” (trabalhe duro), “do more” (faça mais)e suas derivações, mas não deveríamos estar pensando em algo como “work better” (trabalhe melhor)? Em usar o tempo e nossas habilidades para trabalharmos mais saudavelmente? A tecnologia tem se desenvolvido exponencialmente, e nossa resposta a esse movimento tem sido de nos aforarmos em trabalhos, agora de maneira remota? O trabalho não deveria ser uma parte de nossas vidas, ou será que a vida agora é o que sobra depois do trabalho? Como não levar o trabalho para casa, se não podemos deixar nossos computadores e celulares no escritório?

Estamos – muitos de nós – doentes por stress e ansiedades, por prazos, metas e cifras, e quanto mais a gente corre, mais rápido a roda gira, como em uma esteira de camundongos.  Estamos cada vez mais apressados e exigentes com a velocidade dos outros, de nós, de nossos computadores, celulares, carros, pensamentos… Estamos virtualmente em muitos locais ao mesmo tempo. A gente para o trabalho para mergulhar os olhos na foto da praia que postamos no #tbt; nós temos usado o horário de almoço para estudar para a prova de sexta à noite, mas não iremos fazer porque vamos sair tarde do trabalho. Vamos dormir tarde e acordamos cada vez mais cedo. #5amclub. Hard work, no pain, no gain. Viciados em cafeína, tomamos Red Bull para acelerar o efeito do espresso duplo. E insones, nos questionamos sobre o porquê de não conseguirmos nos desligar, se estamos tão cansados.

Os sintomas têm aparecido, mas não temos muito tempo para isso. Descobri que  desenvolvi bruxismo. Em apenas dois meses fui acordado por um treck dentro da minha boca. A primeira vez foi um bracket descolando; nessa madrugada, foi uma restauração esmagada. Retrocedendo mentalmente, percebi que os eventos começaram com a instalação do aparelho. O dentista descartou a coincidência. Lembrei um pouco depois que há dois meses decidi começar o terceiro turno, lecionando em uma faculdade de arquitetura. Voilà!

Minha qualidade de sono não tem sido das melhores. Acordo exausto, indisposto, como se estivesse doente nas primeiras horas do dia. Consequentemente, sinto que perdi um pouco a capacidade de me concentrar, tenho tido pesadelos constantemente, e algumas pessoas têm me perguntado sobre meu senso de humor e meu sorriso. Assustado, sorrio mecanicamente e respondo: estão por aqui.

E, de fato, estão. Mas estão cobertos por um lençol de responsabilidades, que prevejo acabar no fim do ano: fim do MBA e aulas planejadas. Voltarei a ter mais tempo, sabe-se lá para quê.

Eu poderia continuar, mas preciso fechar o planejamento da aula de hoje.